terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Férias na praia ©Colunista fala sobre reencontros, convivência e família

Publicação: 14/01/2014 10:08 | Atualização: 14/01/2014 10:22
Enfim, as férias. Família reunida dos quatro cantos do país, além dos que vieram de fora para comemorar mais uma virada de ano. Coisa incomum para nós, pelo menos para o meu grupo de convivas. O pequeno clã é enorme, considerando os padrões das famílias pós-modernas.

Mais ou menos trinta pessoas com idades variando da caçula do grupo, com 11 meses, até o ancião, com 87. Para acomodar a trupe, foi alugada uma casa com dez suítes, sala, cozinha, varanda, piscina e demais equipamentos de suporte, além de três carros e quatro ajudantes. Tudo isso, sem considerar o fato de que a casa fica a 100 metros da praia.

Os relacionamentos começaram impulsionados pelas narrativas das novidades ocorridas durante o ano, seguidas pelas releituras das coisas antigas, incluindo as velhas histórias e as mesmas piadas. Nascimentos, mortes, separações, casamentos inusitados, ascensões sociais, algumas arrogâncias, poucas mentiras, muitos exageros e a tentativa de manter esse caldeirão aquecido, mas sem explodir.

Fiquei surpreso de não ter tido a ideia de vender esse formato às redes de televisão que exploram os reality shows. No nosso caso não faltava nada, a não ser as câmaras e os comentários nem sempre criativos dos âncoras. No roteiro estavam presentes os especialistas em tudo, cujos argumentos estão sempre atrelados ao fato de “haver farta pesquisa científica sobre o tema”.

Resolvemos de forma cabal todos os problemas do mundo, desde a questão ambiental até a escolha do cardápio para a próxima refeição. Conta-se também com as “palavras de sabedoria” do ancião, cujo benefício da longevidade lhe permite dizer qualquer coisa, por mais insana que seja, e finalizar qualquer assunto com uma “máxima inquestionável”, fruto do seu farto viver. O que não é o “pressuposto saber”, hein? 

Por outro lado, os pais das crianças mais novas, sempre ciosos de suas responsabilidades, as enchem de conselhos, explicações filosóficas e reflexões sobre a vida. Conversas de fazer inveja a Proust e a seus discípulos, mesmo em se tratando de ouvidos ainda tão infantis. É bom acreditar que elas entendem e que guardarão para sempre aquelas instruções tão necessárias para a vida, quando se tem dois anos de idade.

Quando se trata de férias é bom lembrar que não se está falando de ausência de trabalho. Muito pelo contrário. O trabalho é exaustivo, considerando que são requeridas competências para as quais não se prepara jamais. Eu diria que as férias em família requerem um profissionalismo enorme.

É desafiador ser capaz de montar aquelas geringonças feitas para distrair as crianças. São parquinhos infláveis, boias, casinhas, mundos fantásticos, barracas temáticas, sem falar do verdadeiro zoológico com animais de todas as espécies e eras a conviver numa simbiose assustadora para o mais liberal dos evolucionistas de plantão. Os adultos, empenhados em recuperar as ausências cotidianas fomentadas pelo excesso de trabalho e pouco tempo doméstico, mostram-se empolgados nas tarefas de entreter as crianças e divertir os colegas. 

Com o tempo, essa energia vai se desfazendo e estratégias de escapadas e fugas aparecem do nada. É bem verdade que ninguém consegue conviver muito tempo nessa dinâmica tão divertida. Estamos tão acostumados ao ativismo produtivo que essa coisa de não ter obrigações nos exaure facilmente.

Do ponto de vista da intrincada teia das relações humanas, tios e tias, agregados, correlatos e demais seres de mesma natureza, até então desconhecidos, tornam-se num passe de mágica, íntimos. Privacidade é coisa que não existe nesses contextos. Todos atuam como se fossem habitués dos mesmos espaços de vida e conhecedores dos hábitos e cheiros de cada um.

Histórias de família, acrescidas de novas performances, são apresentadas e reapresentadas com muita naturalidade e algum constrangimento, como é natural em situações semelhantes. Vale lembrar que o senso de adequação não faz parte da categoria “férias em família”. Aliás, percebo cada vez mais que somos corajosos, o que nos falta é bom senso.

Aos poucos, os dias vão ficando mais compridos, as horas passando mais lentamente e a certeza de que vamos precisar de umas férias das férias torna-se cada vez mais evidente. É bem verdade que se perde a noção do tempo. Não estamos acostumados ao reinado de Kairós e as oportunidades de desfrutarmos uns dos outros com autenticidade legítima é algo a aprender.

Ficamos no trivial variado. Alguns tentam conversas mais ou menos densas, dividindo as argumentações filosóficas com as preocupações com as crianças na piscina, anúncios de que o lanche está posto, comentários sobre a altura do som do vizinho e as decisões sobre a agenda do dia seguinte. Finalmente a dispersão vence e, conformados, cedemos à evidência de que não dá para fazer reflexões profundas em reality shows. Somos realmente divertidos.

À noite cai, as crianças dormem, para alegria e deleite dos pais. Se isso não acontecesse é bem provável que teríamos uma forte tendência de achar Herodes natural, como cantava Vinícius. Abrem-se os espaços adultos. Jogos de todas as naturezas e algumas invenções “non sense” aparecem como alternativas para o entretenimento.

Junta-se a isso algum corajoso que empunha um violão que, mal tocado, inspira uma cantoria intensa, embora as letras das músicas não sejam conhecidas. Tudo bem, o refrão é suficiente. “Olha a lua mansa (me leva amor); a lua descansa (me leva amor)”... nessa altura já é o fim da festa. Vinhos, cervejas e batidas de toda a natureza regam a noite, degustados com salames, queijos e patês diversos de sabores duvidosos. Acho que no fundo todos querem ficar um pouco entorpecidos. É, as férias são mágicas. Fico encantado com nossa capacidade de achar que as coisas fazem algum sentido.

Capítulo especial se faz pelas manhãs, logo após o café. O pequeno batalhão segue rumo à praia munido de um arsenal de fazer inveja ao mais audacioso estrategista militar. Acho que o desembarque na Normandia não foi tão intenso como levar as crianças ao mar.

Boias, barracas, baldinhos se misturam a protetores solares, areia, lanches e cangas, além do inseparável isopor das cervejas. Isso sem falar do quadriciclo, do jet ski, da moto e do bote para os aficionados em praticar algum esporte. Dessa vez não trouxemos o submarino.

Benza Deus, a coisa é intensa. Depois de instalado o Posto Avançado do Comando Estratégico das Férias (PACEF), começam as atividades, não sem antes termos várias aulas dadas pelos especialistas, sobre as melhores técnicas para manobrar os diversos equipamentos conforme suas naturezas e os avançadíssimos cuidados com a segurança e a sobrevivência nas férias. Lá vamos nós.



A gastronomia é tão farta e variada quanto pouco saudável. Ser saudável é tudo o que não se quer nessa época. Vale lembrar que alfaces, saladinhas, peitos de peru, carnes grelhadas e bebidas isotônicas também entram em férias. Nesse período, atendem em regime integral, as leitoas pururucas, pernis, bobós, lasanhas, massas, tortinhas açucaradas, cervejas, vinhos, refrigerantes diet e correlatos (of course).

Sem falar dos lanches a base de bolo de chocolate e tortas de banana com chantili, finalizados com cafezinho expresso e açúcar dietético (para manter a forma?). A associação Natal, ano-novo e férias é bem explosiva para a balança e para a bioquímica do sangue. Triglicerídeos, colesterol, creatinina e glicose entram em colapso, sem falar do desespero das enzimas hepáticas, obviamente.

Aos poucos, como convém à dinâmica dos grupos, começam a ser reinstaladas as antigas panelinhas e os assuntos de “outros carnavais” voltam a ser pautados. Ressentimentos antigos, rivalidades históricas e resignações próprias das idades e dos relacionamentos voltam à pauta. Pequenos conflitos e grandes dramas são comuns a todas as famílias da terra e os “unfinished subjects”, como diriam os que vieram dos States, acabam aparecendo novamente.

Então, alguém, em meio ao jantar, pergunta sobre a cotação do dólar, comenta sobre a política econômica do país e, apressadamente, liga a TV para assistir ao jornal. Essa era a “deixa” de que as férias estavam terminando. Num passe de mágica, a realidade reaparece inteira e os afazeres do mundo real assumem o controle. Celulares, computadores, Ipads voltam à cena cheios de internet para check-ins, conferências bancárias, respostas de e-mails e um aviso ao mundo – estamos de volta.

Beijos, abraços, declarações de amor e promessas de que vamos nos encontrar mais vezes neste ano, se seguem a choros e despedidas já saudosas. A rosa dos ventos dá as direções e partimos todos de volta para os nossos planetas de origem. Foi bom! Ainda bem que acabou! Mas, onde é que será a próxima?

Reflitam em paz!

Homero Reis

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